terça-feira, 31 de agosto de 2021

Anatomia de um surto da variante Delta

Uma professora retirou a máscara para ler durante a aula provocou 26 novas infecções pela variante Delta, mostra rastreamento.

Eduardo Kokubun - UNESP



A professora, não vacinada, apresentou congestão nasal e cansaço e pensou estar com alergia. Foi trabalhar normalmente. Durante a aula para seus 24 alunos do ensino fundamental, retirou a máscara para ler em voz alta. Todas as carteiras tinham o distanciamento de 1,80 m, a sala de aula estava com janelas e portas abertas, com sistema de filtragem do ar. O uso de máscaras era obrigatório pelos professores, funcionários e alunos naquela escola. Vinte dias depois, 26 pessoas tinham sido infectadas pela variante Delta, confirmadas por testes RT-PCR ou teste de antígeno e também por sequenciamento genético.

O surto relatado pelos Centros de Controle de Doenças (Centers of Disease Control - CDC) dos EUA ocorreu em maio deste ano numa escola de educação fundamental do condado de Marin de 259 mil habitantes na Califórnia. Na época, a vacinação contra a Covid-19 alcançava somente adultos, e estava com 71% da população vacinada com pelo menos uma dose e 61% com dose completa. A variante Delta representava apenas pouco mais de 2% no estado.



Marin é um condado com população um pouco maior do que Rio Claro, porém distribuída por uma área geográfica 4 vezes maior. Na época do surto, registrava 1/4  dos casos, tinha proporção de vacinados similar, porém maior de pessoas com vacinação completa em relação a Rio Claro em final de agosto.

O Departamento de Saúde Pública do Estado de Califórnia analisou amostras de 231 pessoas, entre alunos, professores, funcionários e parentes da escola. O rastreamento mostrou que um dos alunos expostos ao vírus da professora passou a noite na casa de um aluno de outra classe. Esse outro aluno infectou outros dois alunos e um irmão/irmã.  No final do rastreamento, em 20 dias, 12 dentre os 24 alunos da classe da professora foram infectados, 6 alunos de outra classe, 5 irmãos dos alunos e 3 pais. Na classe original, todos os alunos sentados na fileira mais próxima da professora foram infectados. A chance de infeção foi menor nas fileiras mais afastadas, mas nem alunos da fileira mais distante escaparam.

Esse episódio ilustra como as várias camadas de proteção precisam ser rigorosamente seguidas. O surto ocorreu num momento de baixa transmissão e óbitos, com cobertura vacinal elevada. O uso de máscara era obrigatório a todos na escola, a sala de aula estava adequadamente ventilada, carteiras com distanciamento de 1,8 m conforme normas adotadas no condado, quase o dobro de 1 m prevista no estado de São Paulo. Porém, a retirada da máscara pela professora removeu uma das camadas de proteção. A maior transmissibilidade da variante Delta potencializou a transmissão infectando crianças, que também  foram capazes de transmitir o vírus a outras crianças e adultos. 

O surto reforça a necessidade de vacinar as pessoas que mantém contato direto com alunos não elegíveis para a vacinação, sobretudo quando variantes mais transmissíveis estão em circulação. Além disso, qualquer sintoma gripal no atual contexto da pandemia deve ser tratado como suspeita de Covid-19 com o isolamento imediato da pessoa. 

Rio Claro ainda apresenta indicadores da pandemia desfavoráveis em relação ao momento em que o episódio ocorreu em Marin. Nesse contexto, as medidas não farmacológicas de proteção, como distanciamento físico, evitar aglomerações e ambientes mal ventilados, higiene e principalmente uso de máscaras continuam essenciais.  Não podem ser negligenciadas em nenhum momento.

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