sexta-feira, 2 de julho de 2021

Teatro da higiene: a pedra da sopa

O perigo está no ar que você respira e não na superfície que você toca

 Eduardo Kokubun
Unesp

Conta a lenda que um frade bateu à porta da casa pediu uma panela emprestada para preparar uma sopa de pedra. Curiosos, os donos da casa atenderam ao pedido. Enquanto o frade preparava a curiosa sopa, com a pedra a ferver na panela, explicou ser necessário temperá-la. Acrescentou os ingredientes prontamente entregues pelo solícito casal: sal, carne. Juntou-se ainda batata, cenoura e um bocado de feijão que engrossaram o delicioso caldo. Após apreciá-la com o casal, o frade guardou sua preciosa pedra para preparar uma próxima sopa.

Quando a pandemia começou, as partículas em superfícies foram apontadas como as principais fontes de transmissão do Sars-Cov2. Gotículas de saliva de uma pessoa doente contendo o vírus seriam espalhadas pelos lugares onde levamos nas nossas mãos: maçaneta, roupa, embalagem de compras. Criamos o hábito de limpar tudo que tocamos ou trazemos dentro de casa. Nada entra sem um bom banho de limpeza, preferencialmente com desinfetante como o álcool 70% ou amônia quaternária. Melhor ainda se exorcizarmos todo mal deixando-os ao sol tomando banho de raios UV.

A prática se espalhou para fora de casa em qualquer canto onde uma pessoa possa ter deixado gotículas com vírus. Para garantir a inativação do vírus, passamos a pulverizar tudo com desinfetante: ônibus, trens, salões, vias públicos. Porém, a ciência começou ainda em meados de 2020 a mostrar que tudo isso era um exagero. Até mesmo a Organização Mundial de Saúde demorou a reconhecer o equívoco. O risco de transmissão por superfície é mínimo. É necessário sim manter os hábitos de higienização como sempre foi recomendado: manter as mãos limpas, não levar para as mucosas. 

Os infectologistas com quem tive a oportunidade de participar nas lives desta semana deixaram isso muito claro. A Dra. Suzi Berbet enfatizou que o maior risco de transmissão é respiratório. O Prof. Carlos Fortaleza mostrou que quanto mais ar uma pessoa infectada expele, como falar alto, gritar, cantar ou exercitar, maior a quantidade de vírus que se espalha e infecta.

As medidas inúteis de desinfecção de superfícies foi batizada por Derek Thompson de teatro da higiene. Uma perda de tempo porque a principal fonte de contaminação é o ar. Respirar o ar alheio é muito mais transmissível e perigoso do que a embalagem de nossas compras. 

Manter-se em ambiente com ar fresco é hoje a principal forma de evitar a transmissão. Se não for possível ficar em ambiente aberto, procure lugares com boa ventilação. O ar externo tem que entrar por um lado do ambiente e sair do outro lado,  sem obstáculos. Um ventinho leve tem que passar por onde você está e sair do ambiente sem ser capturado pela inspiração de outro. Melhor ainda se entre vocês dois existirem máscaras, que retenha o vírus.

Higienização de superfícies são verdadeiros teatros, a sopa da pedra. Os ingredientes que vão dar sabor à sopa são a máscara e o ar fresco. Bom apetite.



Nenhum comentário:

Postar um comentário