Adilson Roberto Gonçalves
Unesp Rio Claro
Voltou a circular nas redes sociais uma publicação de 1918, estampada nos principais jornais da época, intitulada "Conselhos ao Povo", com indicações sobre comportamentos e procedimentos para se evitar a proliferação e o contágio da gripe espanhola.
Artigo da historiadora Liane Bertucci-Martins detalha a origem desses conselhos, baseados em recomendações publicadas pelo Serviço Sanitário de São Paulo para lidar com a gripe espanhola, já reconhecida como uma variante da gripe influenza (https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622003000100008). Originalmente, as recomendações foram veiculadas no jornal O Estado de S. Paulo em 16/10/1918, resumidas e republicadas pelos demais órgãos de imprensa como "Conselhos ao Povo", com alguma variação nos dizeres, nas ênfases, e, às vezes, com a autoria de outros órgãos.
Chama a atenção que aquelas recomendações são as mesmas que os órgãos internacionais de saúde vêm fazendo na pandemia do novo coronavírus desde o início de 2020: distanciamento social evitando aglomerações, suspensão de aulas e eventos culturais e esportivos, repouso absoluto após os primeiros sintomas, higienização pessoal e dos meios de transporte e dos locais em que pessoas tenham de circular. Apenas não se falava em máscaras por total desconhecimento e por não ser um instrumento de proteção individual usual. Porém, havia um item que incomoda os que defendem, hoje, os conceitos científicos: a profilaxia pela ingestão de derivados de quinino e uso de infusões e desinfectantes para gargarejos e limpeza das vias nasais. Naquela época não havia conhecimento científico que mostrasse a ineficácia de tais remédios e os perigos que o uso de desinfectantes pode causar. Também foram publicados, ainda que não ostensivamente, alertas de que tais sugestões eram baseadas mais no senso comum e em relatos individuais de sucesso, nunca avaliados clinicamente.
A consulta à hemeroteca da Biblioteca Nacional revelou que na década de 1910-1919 houve 802 publicações com as palavras "quinino" e "influenza". Já na década seguinte (1920-1929), o número cai para menos da metade (369), sendo que boa parte, em ambos os períodos, é de propaganda e anúncios de remédios e infusões milagrosas contra a gripe. Outra observação é que no período de maior atenção à influenza (1910-1919), dos 10 jornais em que mais apareceram as duas palavras simultaneamente, 5 eram do eixo SP-RJ, sendo 4 jornais do Rio de Janeiro entre os 5 primeiros da lista. Essa relação passa para apenas dois jornais entre os 10 com maior número de palavras na década seguinte, sendo que o mais citado do Rio aparece em sétimo lugar. Ou seja, em alguns anos e com a mudança de década, há um deslocamento geográfico e mercadológico do interesse do uso de derivados de quinino para gripes em geral, e, especificamente, para a influenza.
Vale a pena a leitura do trabalho e a observação do que a sociedade de um século atrás pensava para entendermos como certas crenças são arraigadas ao longo do tempo. Lembro que em relação à alimentação, o BAC 34, de 11/8/2020, publicou uma comparação interessante entre as duas épocas (link aqui).
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