Após oito meses, as estratégias de vacinação vem sofrendo ajustes, impulsionadas pela mutação do vírus, resistência à vacinação e perda de imunidade.
Eduardo Kokubun - UNESP
A vacinação contra a covid-19 vem ocorrendo há oito meses em diferentes cantos do mundo e já é possível avaliar como ela funciona no mundo real. As vacinas desenvolvidas com velocidade sem precedente conseguem proteger contra novas infecções, dimunem internações e óbitos de quem recebe a dose no braço. Quem não recebeu tem maior chance de ficar doente, mais doente do que quem se vacinou, e mais chance de morrer. Mas o prejuízo não acaba aí. Quem não se vacinou ajuda a espalhar o vírus e pode levar a doença até mesmo para quem já se vacinou, principalmente àqueles mais vulneráveis. O vírus encontra a liberdade para circular em grande número de sucetíveis e a oportunidade para mutar.
Vacinação, portanto, não se resume a desenvolver as substâncias a serem injetadas nas pessoas. Envolve estratégias de distribuição na população, priorizando quem, quantas e quando as pessoas devem receber as doses. As últimas semanas trouxeram várias novidades que afetam profundamente a estratégia vacinal, impulsionadas pelo aparecimento da variante Delta, adesão insuficiente à vacinação por parte da população e perda de imunidade, sobretudo em idosos e outros imunosuprimidos.
Variante Delta
Com o avanço da variante Delta muito mais transmissível que as variantes ancestrais, será necessário expandir o alcance da vacinação para proporções maiores da população. Antes das vacinas aparecerem, estimava-se que seria necessária a vacinação de 60 a 70% da população. Por essas contas, em Rio Claro, seria necessário vacinar entre 125 a 145 mil pessoas. Até 25/08/2021, 149.820 pessoas tinham recebido pelo menos a uma dose e 79.127 estavam completamente imunizados.
A chegada da variante Delta mudou completamente esse cenário. Com maior transmissibilidade a cobertura vacinal teria que ser ampliada para algo entre 85% e 90% da população com uma vacina 100% eficaz. Como não existe vacina perfeita, a nova meta já é considerada impossível de ser alcançada por especialistas. Portanto, o novo coronavírus chegou para ficar: teremos que conviver tomando cuidados para evitar sua proliferação. Além disso, estudos mostraram que essa variante é capaz de driblar os efeitos protetores da vacina, principalmente naqueles que tomaram apenas a primeira dose.
Adesão insuficiente e passaporte da vacinação
Há uma grande dificuldade dos diferentes países do mundo avançar na cobertura vacinal. Reino Unido, Israel e Alemanha, por exemplo após um avanço rápido da vacinação estão vendo a proporção estacionar entre 60 e 70%. O Brasil, apesar da demora inicial, vem avançando de forma mais consistente nos últimos meses e ultrapassou os Estados Unidos, em % de pessoas que tomaram a primeira dose pelo menos. Além disso, poucos países conseguiram superar a meta de imunização completa de 60%: Israel, que conseguiu avançar rapidamente, está estacionada na faixa de 62% há semanas. No Brasil, estamos ainda na faixa de 30%.
Pessoas não vacinadas representam um risco para a população. A variante Delta também complicou a situação, pois ela infecta pessoas vacinadas. Mesmo protegendo de formas mais graves, uma pessoa infectada com a Delta continua a transmitir a doença. Assim, para proteger a população e convencer as pessoas a se vacinarem, muitas autoridades implantaram medidas que exigem a comprovação de vacina para as pessoas frequentarem diferentes locais públicos e principalmente para viajarem. A exigência do chamado passaporte da vacinação não é totalmente endossada pela Organização Mundial de Saúde, porém em muitos países onde que o adotaram servem de incentivo para a adesão. Esta semana, vários municípios anunciaram a implantação de um passaporte da vacinação, que é uma medida aceita pela maioria dos prefeitos consultados pela Confederação Nacional dos Municípios.
Terceira dose
Outra implicação da vacinação no mundo real é a constatação de que a proteção diminui com o tempo. Na semana passada, a Anvisa já havia feito a recomendação para se considerar a aplicação de uma terceira dose em idosos e imunosuprimidos. A medida já vem sendo adotada em alguns países e as autoridades brasileiras em todos os níveis aderiram rapidamente.
A medida não é endossada pela Organização Mundial de Saúde, que considera mais importante distribuir a dose para os muitos países que ainda estão muito atrasadas na cobertura vacinal. Contudo, o monitoramento da Covid-19 no país vem mostrando o aumento no número de casos, internações e óbitos em idosos. É a parcela da população mais vulnerável do que os mais jovens e que foram imunizados há mais tempo. Em Rio Claro são cerca de 16,6 mil pessoas com 70 anos ou mais incluídos no critério do Ministério da Saúde, que representam 8% da população. Se incluirmos idosos com 60 anos ou mais, conforme o critério do Estado de São Paulo, serão 35,6 mil pessoas ou 17%. Se essas doses de reforço forem retiradas das duas doses destinadas às crianças e adolescentes de Rio Claro com 3 anos ou mais, deixariámos de vacinar aqueles entre 3 a 5 anos, sabidamente melhor protegidas contra a doença.
Ainda não existem evidências robustas de que uma dose de reforço aumente a proteção vacinal, muito menos o efeito de aplicá-la com imunizante diferente das duas doses originalmente recomendadas. Porém, tudo indica que a prática se disseminará e rapidamente saberemos o quanto ela é acertada. No momento, com a disseminação acentuada da variante Delta, e outras que poderão surgir, parece ser estratégia plausível.
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