Com variantes mais transmissíveis, vacina não é mais a bala de prata. As outras camadas de proteção ainda serão necessárias
Eduardo Kokubun-Unesp
"O coronavírus está aqui para ficar", dizia o título de matéria publicada na revista Nature de 16 de fevereiro de 2021. A frase expressava a opinião de quase 90% dos pesquisadores entrevistados pela revista. A Covid-19 se tornaria endêmica, porém cada vez menos perigosa. Passados seis meses, com a vacinação avançando e a chegada de variantes mais transmissíveis, tudo indica que teremos que conviver por muito tempo com a Covid-19.
A doença é considerada ainda pandemica por causa de sua ampla disseminação mundial, com uma velocidade de transmissão muito alta, disseminação explosiva em curto período de tempo, alta contagiosidade e baixo nível de imunidade. Ela poderia ser extinta quando um número suficiente de pessoas adquirisse imunidade ou por terem adquirido e recuperado da doença, ou por serem vacinados. A proporção de pessoas com imunidade é estimada conhecendo-se o número básico de reprodução R0 (R zero) pela fórmula:
% imunizados = 1 - 1/R0
O R0 representa o número de pessoas que um contagiado pode infectar, quando não há pessoas imunizadas e sem qualquer medida de proteção contra a infecção. Com a variante ancestral, as estimativas de R0 variavam entre 2 e 3. Se tomarmos o número intermediário R0=2,5, seria necessária a imunidade de 1-1/2,5=1-0,4=0,6 ou 60% das pessoas.
Um vírus com maior R0 exigirá maior proporção de vacinados para alcançar a imunidade rebanho da população. É nesse ponto que o aparecimento da variante delta mudou completamente o cenário: estima-se que o R0 situa-se entre 6 e 9. Portanto, para extinguir uma pandemia com a variante delta, digamos com R0=8, será necessário imunizar 1-1/8=87,5% da população.
Esses cálculos partem do pressuposto que a vacina utilizada tem eficácia de 100%, a imunidade adquirida não se reduz com o tempo e também que não há reinfecção. Como nenhuma vacina contra a covid-19 ou qualquer outra doença tem 100% de eficácia, é necessário aplicá-la em mais pessoas. Com o exemplo da variante delta de R0=8, a imunidade rebanho será alcançada se toda população estiver imunizada com vacina de 87,5% de eficácia ou maior.
Para complicar ainda mais, há evidências de que a imunidade contra a Sars-Cov-2 diminui com o tempo. Além disso, há reinfecção tanto em pessoas que adquiriram a doença e também em vacinados. Para compensar seria necessário vacinar mais pessoas para além de 87,5%, meta que é considerada impossível por especialistas.
Isso não significa que as vacinas não funcionam. Pelo contrário, a redução no número de casos, de ocupação de leitos e de óbitos mostram que as vacinas cumprem o que prometem. Reduzem drasticamente as consequências mais graves da doença. Porém, nas condições atuais, é pouco provável que o Sars-Cov-2 seja totalmente extinto. Deverá circular ainda, adoecendo pessoas com menor gravidade, com surtos mais controlados, menos explosivos, tornando-se endêmica.
O controle da transmissão do novo coronavírus requer várias camadas de proteção, nenhuma delas perfeita. Elas foram necessárias numa primeira fase para achatar a curva de transmissão e preparar o sistema de saúde para enfrentar a doença. Na segunda fase da vacinação que está em curso as fatias de proteção estão sendo necessárias para potencializar a ação do imunizante e reduzir o aparecimento de variantes. O Brasil, com apenas 25% da população completamente imunizada está nesta fase, longe ainda dos 60% ou 87,5% necessários. Porém, o vírus mutante criou um cenário onde a vacinação deixou de ser a sonhada bala de prata: mais esperto e ágil do que a ciência, evoluiu para não ser extinto pelos imunizantes.
Na próxima fase teremos que conviver ainda com o vírus que vem pelo ar que respiramos, já que a proteção da vacina será insuficiente para bloquear a propagação. Será necessária uma estratégia para a covid endêmica, incorporando parte dos hábitos da pandemia, como a higienização e etiqueta respiratória. Os ambientes onde vivemos precisarão ser adequados, dando maior atenção à salubridade do ar que respiramos. Por enquanto, não é saudável viver como vivíamos até 2019.
The coronavirus is here to stay — here’s what that means. Nature. 16/02/2021. Disponível em https://www.nature.com/articles/d41586-021-00396-2. Acesso em 19/08/2021.
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