segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Apagão de dados e o vôo cego na pandemia

Dados do Ministério da Saúde utilizados pelo Governo do Estado de São Paulo para monitoramento subestimam a gravidade da pandemia em Rio Claro. 

Eduardo Kokubun, Unesp-Rio Claro

     Matéria preparada com dados atualizados até 8/1/2022

        Até o Natal, Rio Claro registrava média de 4 a 5 casos novos por dia. Às vésperas do Ano Novo, os números de casos novos saltaram para 40 e 42 nos dias 30 e 31 de dezembro. A escalada continua: de 3 a 8 de janeiro foram mais 778 casos, ou 130 casos por dia. O número de casos semanais aumentou 2.683% em apenas 14 dias, entre 26/12 e 8/01.
        Desde o ataque "hacker" o Ministério da Saúde não atualiza dados públicos oficiais do país: quem entrou no site em 10/01/2022 vai constatar que a pandemia "congelou" em 9 de dezembro do ano passado. Para o Ministério, não houve novos casos nem óbitos nos últimos 31 dias. A maioria da população percebe que isso é falso, pois estamos vendo muitas pessoas conhecidas ou nós mesmo sendo acometidos pela Covid-19.
            O apagão de dados tem reflexos enormes no modo como enxergamos a pandemia. O Governo do Estado de São Paulo extrai dados do Ministério da Saúde para monitorar o número de casos e óbitos no nosso território. Comparamos esses dados divulgados diariamente pelo Estado com aqueles divulgados pela Prefeitura de Rio Claro. Essas comparações mostram que Município e Estado (consequentemente o Governo Federal)  enxergam a pandemia com óculos diferentes. Até o dia 9/1/2021 o Estado registrou 12.840 casos enquanto a Prefeitura registrou 20.557, ou seja, uma diferença de 7.713 casos.
            


            Desde dezembro, o apagão deixou de informar 1.121 novos casos para o Estado de São Paulo. As diferenças foram aumentando ao longo das semanas, alcançando 774 subnotificações na semana passada. Portanto, pelos óculos do Estado e do governo Federal, a pandemia em Rio Claro está baixa enquanto para os óculos de Município houve explosão depois do Natal.



            Os números de reprodução Rt com os dados divulgados pela Prefeitura e pelo Estado reforçam os diferentes óculos. Pelos óculos da administração Municipal, cada pessoa com Covid-19 está transmitindo a doença para outras 7,1 pessoas. Essa taxa de transmissão é muito maior do que a esperada com a variante original do Sars-cov2, transmitida sem vacinação e sem nenhuma medida de proteção como o distanciamento social e uso de máscaras. É também muito maior do que poderia ser esperada somente pelas aglomerações de fim de ano. Porém, aos olhos do Estado, a transmissão ocorre para apenas 1,7 pessoas, que seria compatível apenas com os festejos e confraternizações recentes.


            Resumindo, aos olhos do Governo do Estado de São Paulo (e do Governo Federal de onde os dados do Estado são extraídos), Rio Claro está com número baixo de casos com aumentando há apenas duas semanas. Porém, a prefeitura do nosso município "enxerga" 60% mais casos durante toda pandemia com explosão desde o Natal do ano passado. O município já sente na pele a sobrecarga no sistema de saúde, agravado com a epidemia inesperada da gripe. Graças à vacinação, as internações por covid-19 não aumentaram até agora. O apagão de dados está fornecendo ao país e ao estado de São Paulo um panorama com pelo menos duas semanas de atraso preciosos para conter o avanço de variantes como a Gama, Delta e Ômicron.
            Os dados sobre a pandemia no país sempre foram alvo de desconfiança pelos especialistas. O ataque "hacker" expôs ainda mais a fragilidade de toda infraestrutura oficial de monitoramento da covid-19 e de estatísticas vitais para a elaboração e execução de políticas de saúde. Mesmo que essa nova onda da Ômicron seja menos grave, menos letal, mais intensa e mais curta do que ondas anteriores, o monitoramento impreciso, senão totalmente equivocado da pandemia nos deixa em voo cego: em plena tempestade sem visibilidade e sem instrumento.  Melhor apertar os cintos.

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