sexta-feira, 28 de maio de 2021

Ficção e ciência na CPI da Pandemia

Adilson Roberto Gonçalves
IPBEN Unesp Rio Claro

A semana foi menos intensa nas reuniões da CPI da Pandemia instalada no Senado Federal porque foram duas oitivas e uma reunião deliberativa para decidir sobre requerimentos de informações e depoimentos. Na terça-feira, 25/5, foi ouvida a secretária Mayra Pinheiro, do Ministério da Saúde, conhecida pela defesa que faz da cloroquina e outros medicamentos do chamado "kit covid", e na quinta-feira, 27/5, foi a vez de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, arguido principalmente em relação às tratativas de produção e entrega da vacina CoronaVac.

A transcrição das sete horas de depoimento de Mayra Pinheiro de rendeu 101 páginas (veja aqui) e a de Dimas Covas, 72 páginas (veja aqui), durando praticamente o mesmo tempo. A secretária do Ministério da Saúde foi perguntada inúmeras vezes sobre o uso de medicação comprovadamente ineficaz no combate à Covid-19 e defendeu o uso de cloroquina e derivados. Tergiversou quanto à imunização de rebanho, reconhecendo ao final do depoimento que ela não existe e que não deve ser buscada. O relator da comissão, senador Renan Calheiros, apontou pelo menos 11 mentiras ou declarações de Mayra Pinheiro que não correspondem aos fatos (veja aqui).

O Diretor do Butantan, por seu turno, foi muito claro e sereno na apresentação e respostas à arguição dos senadores. A destacar que a chamada tropa de choque da presidência da República não estava presente, uma estratégia para não se expor. Era nítido o incômodo dos que defendem que a conduta do Ministério da Saúde no combate à pandemia foi adequada quando Dimas Covas revelou o desprezo com a oferta de pelo menos 100 milhões de doses da vacina CoronaVac ainda em outubro de 2020, com início da vacinação em dezembro. Registra-se que a palavra cloroquina não foi pronunciada por ele no depoimento.

Na comparação dos dois depoimentos é evidente a distinção entre ficção e ciência. A defesa necessariamente política da negação da vacinação para que fossem usadas medidas ineficazes cria um mundo ficcional que não sobrevive ao escrutínio das evidências científicas, apresentadas na arguição de Mayra Pinheiro, ainda que sem a devida ênfase. Ficou por conta do senador Otto Alencar apresentar o engodo da recomendação de tais medicamentos que se baseiam na baixa letalidade da covid-19. Ou seja, não tomar nada também resultaria em paciente curado ao final do processo.

O que se lamenta é que, mesmo com assessores muito bem remunerados, os senadores não são capazes do entendimento científico necessário para avaliar a pandemia. Em uma das intervenções no depoimento de Dimas Covas, o senador Eduardo Girão chegou a postular que as vacinas do Butantan seriam feitas com células extraídas de fetos abortados! Para ele e para todos os que ainda têm dúvidas sobre a fabricação de vacinas, repetimos a indicação da entrevista sobre o assunto que o professor Oscar Malaspina deu (assista aqui).

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