sexta-feira, 21 de maio de 2021

A logística de Eduardo Pazuello na CPI da pandemia

Adilson Roberto Gonçalves
IPBEN Unesp Rio Claro

Nesta semana a CPI da Pandemia, instalada no Senado Federal, ouviu o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A imprensa se fartou de publicar considerações políticas dos depoimentos, mas, para quem não assistiu às sessões, convém conferir o que foi falado por meio da leitura das transcrições disponíveis no site do Senado. O depoimento de Ernesto Araújo pode ser lido aqui e não será analisado neste momento.

Eduardo Pazuello teve tempo suficiente para se preparar, uma vez que a primeira oitiva foi adiada pelo fato dele ter estado em contato com assessores supostamente contaminados com a Covid-19. Após conseguir habeas corpus no STF garantindo que não seria preso e podendo não responder quando inquirido sobre fatos que pudessem implicá-lo em crimes, Pazuello prestou o depoimento que acabou se estendendo por dois dias. A técnica da elaboração de suas respostas foi baseada em três eixos: a) blindar o presidente da República, não revelando em nenhum momento que tenha havido alguma ingerência por parte dele nas ações do ministério da Saúde; b) ser o mais prolixo possível para consumir o tempo da sessão que é limitado pelo início da ordem do dia no plenário do Senado; e c) sempre que confrontado, não assumir responsabilidades ou atribuí-las a outros ou ainda contemporizar com dificuldades momentâneas e nunca apresentar enfrentamento da situação. Quanto ao segundo quesito, irritou os senadores que logo perceberam a estratégia, especialmente no segundo dia, solicitando respostas claras e objetivas. No entanto, a capacidade de arguição dos senadores se mostrou limitada, ora por desconhecer como inquerir, ora por preocuparem-se exclusivamente em fazer seus discursos políticos.

É certo que para a formulação das perguntas é necessária alguma fundamentação e citação de fatos. Mesmo com a estratégia de ser prolixo, nos dois dias de depoimentos que corresponderam a mais de 15 horas, há vários pronunciamentos de senadores que sequer foram comentados ou respondidos pelo ex-ministro. A arguição se transformou em peroração.

Uma análise semi-quantitativa da transcrição dos diálogos do primeiro dia de questionamentos mostra que o ex-ministro ocupou cerca de 37% do total, computando-se o número de linhas do texto dessa transcrição usado exclusivamente para o que seria destinado à arguição. Nesse primeiro dia, Pazuello usou 344 linhas de um total de 4637 apenas para sua apresentação inicial, facultada pelo presidente da CPI. Boa parte dos senadores usou seu tempo regimental de 15 minutos, restrito para alguns e dilatado para outros, para comunicar suas impressões sobre a gestão do ministério da Saúde, muitas vezes sem entrar em perguntas específicas (original da transcrição aqui).

Já no segundo dia, o espaço ocupado pelas falas, intervenções e respostas do ex-ministro corresponderam a apenas 21% do total, ainda que várias delas se limitaram a monossílabos. A avaliação política indica falta de adesão aos fatos no depoimento de Eduardo Pazuello o que levará à solicitação de investigação criminal, como aconteceu com depoimentos anteriores. Por fim, chamou a atenção que foi usado um dispositivo regimental nessa sessão para excluir da transcrição a menção ao nazista Eichmann feita pelo senador Alessandro Vieira, quando comparou o julgamento pela participação no extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial com a condução da pandemia por Pazuello. O áudio dessa parte da sessão ainda não havia sido removido (ouça aqui).



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