Adilson Roberto Gonçalves
IPBEN Unesp Rio Claro
A propalada utilização de medicamentos off label, ou seja, aplicados em casos não previstos em suas bulas, não é de responsabilidade exclusiva do médico e do paciente. Ou seja, mesmo que as partes concordem em usar remédios experimentais, a ética médica, determinada em legislação própria, impede o ato que não tenha algum respaldo científico ou de órgãos reguladores. Esse assunto fez parte da discussão "Direito Médico e da Saúde em Tempos de Pandemia", promovida pelo Instituto do Legislativo Paulista, que pode ser vista aqui.
A autonomia do médico esbarra na ética profissional. É possível receitar um remédio fora do preconizado na bula desde que - e isso é extremamente importante - haja alguma comprovação científica de que o outro uso tenha eficácia e segurança. O médico pode receitá-lo nos casos em que um remédio ainda esteja em processo de avalição por órgãos oficiais (Anvisa, por exemplo), mas que já tenha sido amplamente estudado, esbarrando em uma questão burocrática para sua aprovação. No entanto, para o que está sendo chamado de kit covid de tratamento precoce, esse pressuposto não se enquadra, uma vez que comprovadamente esses medicamentos NÃO são eficazes.
Notícias recentes relatam os casos de doenças hepáticas (danos ao fígado) causados exclusivamente pelo uso de ivermectina, cloroquina e derivados, dentre outros, que compõem o conjunto distribuído de forma irresponsável. O vermífugo ivermectina, em particular, é o mais crítico, pois a posologia e as relações medicamentosas até agora estudas não se estendem a um tratamento prolongado, e, sim, a dose única. A cloroquina e seus derivados possuem estudos farmacológicos de segurança como antimaláricos, antinflamatórios e antireumatóides a longo prazo. Mesmo assim, já estão comuns os casos de doenças cardíacas associadas ao seu uso indiscriminado, e diria criminoso, quando há um médico conivente envolvido.
A Associação Médica Brasileira, sob nova presidência, mudou de posição (veja aqui) condenando o uso de qualquer medicamento à guisa de tratamento precoce contra a Covid-19. Chamou a atenção a notícia sobre o paciente do HC da Unicamp que adentrou a fila de transplante de fígado resultante de interações medicamentosas (veja aqui). A ética médica é clara em punir o médico que receita remédios sem comprovação científica ou sem autorização por órgãos competentes, como se lê no recorte do Código de Ética Médica.
O Conselho Federal de Medicina, como qualquer outro conselho profissional, existe não como órgão de classe, pois não é associação ou sindicato. Os Conselhos foram criados com a finalidade de proteger a sociedade da má conduta profissional. A lógica por trás de tal medida é que a sociedade permite a um cidadão se formar e exercer uma profissão e com ela ganhar seus proventos, desde que não cause danos à sociedade que assim permitiu. Daí o Conselho regular a profissão e o profissional, desde sua formação até o exercício.
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