terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Aids e covid-19: uma comparação com ressalvas

Adilson Roberto Gonçalves
Unesp

A aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), em 36 anos, matou tanto quanto a covid-19 em 10 meses no Brasil. Desconhecida no início e eivada de preconceitos pela relação inicial com atividades sexuais de grupos específicos, a aids era sinônimo de morte. Descobriu-se que a doença era provocada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), destruindo linfócitos e alterando o DNA, fazendo com que as células passassem a fazer cópias do próprio vírus. A transmissão se dá principalmente pela contágio de sangue contaminado e outros fluidos sexuais. Em pouco tempo, deixou de haver grupos de risco para comportamentos de risco. O uso de preservativos em qualquer relação sexual e o não compartilhamento de seringas e agulhas (tanto para drogas como em procedimentos médicos, hospitalares e ambulatoriais) foram as principais medidas de contenção, ainda que a mãe contaminada pode passar a aids para o feto durante a gravidez e à criança pela amamentação.

O desenvolvimento de coquetéis que combatiam a depressão imunológica mudou esse cenário, tendo o antirretroviral AZT (zidovudina) como uma das primeiras drogas aprovadas e testadas com sucesso. Estima-se que no Brasil haja 920 mil portadores do vírus HIV dos quais cerca de 100 mil não sabem que são portadores, pois não mostram sintomas, mas podem ser vetores de contaminação. As campanhas de esclarecimento, prevenção e as pesquisas para o desenvolvimento dos medicamentos de controle e as políticas públicas de acesso aos medicamentos eliminaram a sinonímia da doença com a morte. Vacinas contra o HIV também estão em testes.

A comparação com a covid-19 não é apenas numérica, mas de simbolismo. Da mesma forma, pouco se sabia da doença em seu início e o preconceito chegou antes da prevenção. Ainda hoje há desavisados que chamam o coronavírus de "vírus chinês" ou que seja fruto de engenharia genética, como a aids foi associada inicialmente à homossexualidade. Ambas são causadas por vírus que foram retirados de seus habitats naturais e passaram a ter contato com humanos, desenvolvendo-se muito bem nesses novos organismos. A aids originou-se na África, sendo o vírus presente em chimpanzés e outros macacos, mas não desenvolvendo neles a doença. O coronavírus teve sua origem na China, e passou aos humanos muito provavelmente pelo uso de animais na alimentação que continham esse vírus.

Cerca de 10% dos portadores do vírus HIV não desenvolvem aids, mas continuam sendo transmissores. Por isso o rastreamento e a identificação dessas pessoas é importante. De forma semelhante são os assintomáticos que tiveram contato com o coronavírus, não desenvolveram a covid-19 e continuam sendo vetores de transmissão. Porém, não há rastreamento e testagem adequados, o que dificulta ações estratégicas em massa para conter a pandemia. Estamos muito mais susceptíveis a contrair a covid-19 do que aids: as transmissões são muito distintas, mas aprendemos a nos prevenir daquela que foi considerada a principal doença do século XX.

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