Adilson Roberto Gonçalves
IPBEN Unesp Rio Claro
A pandemia do novo coronavírus chegou pelas estradas, seguindo os fluxos de mobilidade das pessoas. Essa é a conclusão dos estudos realizados pelo professor Raul Borges Guimarães. Em live apresentada por Renato Hoffmann, do Rio Claro Grupo, foi discutido como a pandemia irá afetar e alterar o crescimento populacional. A participação especial do professor Raul, geógrafo com ênfase em geografia da saúde e atual Pró-Reitor de Extensão Universitária e Cultura da Unesp, foi na forma de bate-papo com Eduardo Kokubun, Professor Titular na UNESP Rio Claro e editor do Boletim Anti Covid. A entrevista, que foi ao ar na sexta-feira, 29/10, pode ser assistida na íntegra no link: https://www.youtube.com/watch?v=91z2Rtzxi1w.
Raul explicou que a geografia da saúde estuda tanto a chamada geografia dos serviços (onde colocar equipamentos, respiradores, por exemplo) quanto a difusão das doenças. A área de pesquisa é forte, com mais de 50 anos de conhecimento acumulado e com formação densa de profissionais que se reuniram como rede em todas as unidades da federação para acompanhar a pandemia. E São Paulo ajudou o governo paulista na tomada de decisões, especialmente no início da pandemia.
A epidemia começou na China e espalhou-se rapidamente. Passou a ser pandemia quando saiu dos domínios geográficos daquele país e se espalhou pelo mundo. Aqui já chegou como a variante europeia, modificada, porque o vírus é altamente replicante, um pedaço de gene que precisa de outro organismo para sobreviver. O modelo que o grupo do professor Raul usou partiu dos estudos com o H1N1. O vírus precisa de densidade populacional e mobilidade urbana, como lembrou o pesquisador, e os fatores acontecem como um efeito cascata. O estado de São Paulo é diferente de outros estados por possuir vários aglomerados urbanos. Raul mostrou uma séries de mapas mostrando como a propação se deu na forma de uma onda partindo das metrópoles para o interior e que agora reflui. O fenômeno metropolitano segue a espinha dorsal de difusão, fazendo um V no estado de São Paulo, seguindo as vias Anhanguera e Dutra. As áreas mais escuras no primeiro mapa significam os registros mais antigos de incidência do vírus. Recomenda-se ver os demais mapas no link da live.
O professor Raul lembra que o vírus teve o contato com humanos devido à expansão da fronteira agrícola e pastoril na China, devastando florestas onde o vírus era endêmico e passa a ser epidêmico e, depois, pandêmico. Semelhante situação pode acontecer no Brasil, pois muitas espécies de coronavírus já foram identificadas no bioma amazônico, mas ainda estão confinadas, sem possibilidade ainda de transmissão.
A diminuição do crescimento populacional foi assunto trazido pelo professor Kokubun que fez um levantamento em Rio Claro: a população na cidade retraiu em mil pessoas em função da pandemia. Kokubun lembra que essa retração de população é vista em guerras e estima-se que o Brasil também perdeu dois anos em expectativa de vida. O decréscimo populacional foi observado em metade dos municípios brasileiros, cerca de 3 mil cidades, segundo o professor Raul. Por outro lado, ele prevê que, com a volta das aulas presenciais, haverá um baby boom à semelhança do que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial.
O convidado fez questão de ilustrar três destaques em seus estudos e mapas apresentados:
1. O noroeste paulista sofreu forte impacto econômico pela diminuição dos benefícios da Previdência Social, uma vez que parte significativa da população nesses municípios com menos de 20 mil habitantes é de idosos (parte mais azul no segundo mapa, apresentado pela primeira vez na live). A queda de renda chegou a 50% porque o beneficiário morreu, deixando de alimentar o negócio local: o mercadinho, a padaria, a farmácia. São cerca de 200 municípios "pequenos" no estado de São Paulo. A influência da posterior maior cobertura vacinal que causou a retração da doença também está sendo avaliada.
2. Impacto direto na população economicamente ativa que também morreu, muitas vezes a mãe ou o pai que era o único responsável pelo sustento da família. Isso levou também à diminuição da saída do jovem de casa, que precisa ficar para ajudar a família que foi dilacerada; um impacto significativo é na procura nos vestibulares, em forte queda neste ano.
3. Os órfãos da covid. Por meio de levantamento dos cartórios já se idenficam 12 mil crianças que perderam pai e mãe e o professor Raul quer mapear onde eles estão e a relação com os demais fatores geográficos e econômicos estudados.
Raul destacou ser uma falácia que o isolamento social traria prejuízo econômico, pois foi o contráio, uma redução de danos. Perder a força de trabalho é perder o principal fator que move a economia. Outros fatores são agora considerados, como as sequelas da covid, a perda de conhecimento pela dificuldade de manter estudo a distância e questões de saúde que não foram devidamente tratadas, como câncer, doenças cardíacas, etc, que continuaram a fazer suas vítimas. Com mais de 20 milhões de casos confirmados de covid, todos podem ter sequelas, necessitando de terapias e acompanhamentos que se estenderão pelos próximos 10 anos. "Não sabemos muita coisa sobre os sequelados", diz o professor Raul. Assim, estamos retomando as atividades presenciais sem esse conhecimento, para o qual a geografia vai ajudar muito.
Quanto à importância da condução municipal no efrentamento da pandemia, o corpo técnico na área de saúde em Rio Claro é muito bom, apesar de preocupar o aumento recente do número de casos de covid em faixas etárias mais novas, como mostrado nos BAC anteriores. Não é possível fazer levantamento da situação da pandemia por bairros porque o município é relativamente pequeno. O professor Raul alerta que o Brasil testou muito pouco, o que permitiria um mapeamento do território para ações mais coordenadas e eficientes. Aqui foi às cegas, segundo ele, que propõe fazer a testagem para mapear os sequelados como parte do uso do planejamento territorial para aprender a conviver com o coronavírus. Mesmo com a vacinação ampliada, podemos ter surtos de covid em municípios ou regiões; com o mapeamento, podemos ter ações para reforçar a vacinação nesses locais, por exemplo. São ações semelhantes às adotadas e aprendidas com dengue, zika, e febre amarela.
A mensagem final do professor Raul é que não sairemos da situação sem a ciência e destacou a importância de trabalhos sérios de divulgação científica em face da "necropolítica e fake news" presentes no país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário